ressucitando

Esse blog surgiu como um blog sobre bicicletas. Foi abandonado por cerca de um ano e meio, e por pedaladas e inquietudes recentes está sendo reaberto.

Ele não vai deixar de ser um blog sobre bicicletas, mas vou dar pra ele um uso mais pessoal e reflexivo. Vou deixar as questões mais técnicas para esse espaço: http://oficinarodalivre.wordpress.com/, que é o blog coletivo da oficina comunitária Roda Livre.

É como naquela velha música que voce ja conhece de cor. E ai um belo dia, ouvindo distraído, descobre um novo detalhe na mixagem ou um erro na guitarra que poderia jurar que não estava lá por todos esses anos. Mas no fundo sabe que estava, e que era nesse pequeno pedaço até então desconhecido que residia a magia da canção.

O lugar não é o mesmo se o olhar não é o mesmo.

Dia após dia em que me desloco pela cidade, nas madrugadas em que decido visitar os lugares de minha adolescencia, ou quando pedalo mais uma vez pela mesma estrada outras vezes, deixo em casa o funcionário apressado de outrora, ansioso e amedrontado.

Por o pé pra fora de casa sem enlouquecer com a repetição das rotas e linhas estabelecidas exige o esforço de se abrir ao novo. É um estado ativo de percepção do espaço, uma forma de se ver e de estar no mundo, mas que também exige distração.

É esse equilíbrio tênue entre a concentração e a distração que traz aos olhos os segredos das ruas, os erros tão belos que as vezes esbarramos por aí. Entre o esforço de não repetir os passos de ontem e o risco de se perder sem observar, as ruas se dobram, as histórias se mostram vivas sobre as tramas das ruas, o olhar de viajante se forma. Cada pequeno detalhe se desdobra em nós, em nossos corpos abertos. Entramos nas fissuras discretas de um mundo que, num dia antigo, nos convenceram de ser intransponível.

Voce se lembra daquela tarde em que fomos enganadxs pelo mapa? A estrada que se formou sob nossos pés e rodas era bem diferente da esperada. E ai não soubemos bem pra onde ir. Anoiteceu e ainda vagávamos tentando descobrir um caminho pra casa. O que havia de seguro naquele trajeto nos foi arrancado aí, mas demorei muito pra perceber que essa foi a grande beleza daquela viagem.

Hoje, tanto tempo depois, me arrependo um pouco de não ter aproveitado aquele instante a deriva, de ter sido tão metódico. Mas o fato é que as lembranças mais bonitas que tenho desse dia são justamente as surpresas que saltaram a nossa frente e me arrancaram as certezas. Naquele tempo eu já deveria ter aprendido que nem todo lugar está no Google Maps.

Reorganizo as velhas palavras limitadas pra poder dar vazão ao novo sentido que encontro. Como o lugar e o olhar, a palavra não é mais a mesma. Nenhuma passagem é a repetição do mesmo. A memória fragmenta o que foi vivenciado e junta os cacos sob seus próprios critérios, nem sempre posso interferir. Só me resta confiar nela. É uma cartografia traçada a lance de dados. O que importa é manter os pés girando.